domingo, 2 de fevereiro de 2014

Paulo Bonavides (I)

"Naquele período negro o rancor do Imperador verteu o sangue dos heróis da Confederação do Equador e a reação imperial, de Norte a Sul, prendeu e fuzilou os nossos patriotas, buscando em vão, com as Comissões Militares, abafar o sentimento federativo, constitucional e representativo de Pernambuco e das Províncias confederadas. Ontem, o desfecho foi a Abdicação e a Regência, hoje a Nova República. Nela confiamos com a certeza de que se cortar os abusos que a Nação conhece e lhe custaram o ônus de uma dívida externa de cem bilhões de dólares, sangrando os trabalhadores e a classe média, terá já preparado os alicerces a um futuro de confiança e credibilidade, que é o fundamento dos poderes estáveis e legítimos, pelos quais todo o país anseia. Vamos aguardar assim as reformas e a sinceridade das bandeiras programáticas. O povo, como dizia Rousseau - e não vemos como deixar de invocá-lo a esta altura -, o povo poderá ser enganado, corrompido jamais. E se a classe política da Nova República enganar o povo, pagará caro o crime da sua deslealdade às instituições livres."

Com essas palavras lúcidas e firmes, nosso mestre, Prof. Paulo Bonavides, fecha um pequeno ensaio, intitulado "Constituição aberta: a revolução sem armas", publicado em Fortaleza, há 19 anos (o retrato traz a capa desse trabalho). Nele, com a coragem costumeira, o Prof. Bonavides defende idéias ousadas e polêmicas, como a eleição de analfabetos para a constituinte e a concorrência de candidatos avulsos, "a fim de atenuar o fenômeno da ditadura dissimulada da classe política profissional quando ela envereda no seio das organizações partidárias através de suas cúpulas para o monopólio das candidaturas". Todo o discurso conduzido com o estilo escorreito da escrita do grande professor - seu "aticismo", no dizer do Prof. Jorge Miranda. Mas eu quero chamar a atenção, na verdade, para a própria edição desse pequeno escrito.
A publicação desse opúsculo de 22 páginas foi uma iniciativa da Assembléia Legislativa do Estado do Ceará, liderada pelo seu então presidente, Dep. Castelo de Castro, quem declarou: "Se eu já não tivesse motivos para me sentir honrado pelo fato de presidir o Poder Legislativo de meu Estado, certamente que esta oportunidade de permitir-me a providência desta publicação, seria bastante para declarar-me, como de fato o faço agora, regiamente recompensado pelo exercício da função." Não consta a data exata da impressão, mas o Dep. Castelo de Castro assina suas palavras iniciais no mês de agosto de 1985. A curiosidade é a seguinte: esse mesmo trabalho foi publicado como o primeiro capítulo do livro "Constituinte e constituição: a democracia, o federalismos, a crise contemporânea", publicado pela primeira vez também em 1985, pela Edições UFC (em 2010, foi lançada a terceira edição deste trabalho, pela editora Malheiros). Não me é possível afirmar qual publicação saiu primeiro: se a avulsa, sob os auspícios da Assembléia, ou se a da Edições UFC. O certo é que essa publicação apartada é bem mais difícil de se achar que o livro, hoje fácil, mesmo na primeira edição, de se encontrar em sebos - há anos, tento encontrar, sem sucesso, outro exemplar desse pequeno opúsculo.
Mas minha curiosidade não se dá apenas por isso. Quando tive a oportunidade de ser aluno do Prof. Bonavides em 2010, no Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará, apresentei-lhe a "edição da Assembléia", e ele se surpreendeu. Disse-me não ter conhecimento dela e me chegou a pedir uma cópia, para ele guardar. Eu até pensei em dar o próprio original, mas não consegui me desfazer da peça. Dei a cópia, e ele me agradeceu vivamente, dizendo ser amigo do Dep. Castelo de Castro à época da publicação.
Será que essa publicação foi feita sem o conhecimento do Prof. Bonavides? Não é desarrazoado imaginar que ele tenha permitido essa publicação, indistintamente, a vários editores, pois queria difundir as idéias para o maior número de pessoas. Dificilmente ele se esqueceria de ter dado uma permissão específica; e, quando ele me pediu a cópia, aparentava ainda estar perfeitamente lúcido, com suas faculdades mnemônicas intactas. Um pequeno mistério bibliográfico sobre nosso maior constitucionalista. Ainda irei atrás de saber onde esse trabalho foi impresso, sua tiragem etc. Quem puder ajudar, por favor, pronuncie-se!
Uma curiosidade do meu exemplar: há um carimbo, datado de 1986, de uma chapa para a diretoria do glorioso Centro Acadêmico Clóvis Beviláqua, cujo epônimo foi o Prof. Paulo Bonavides. Terá servido esse ensaio como material de campanha da chapa? Não é do feitio do movimento estudantil utilizar esse tipo de material de campanha; entretanto, era uma época especial da nossa vida política. Mais uma vez, convoco quem souber de qualquer cousa a fazer algum esclarecimento.