sábado, 9 de junho de 2012

Lançamento: "Dois estudos sobre a lei complementar no direito brasileiro" e "A vida de Clóvis Beviláqua em versos"


Eis o "lançamento digital", anunciado há poucos dias. Com o intuito de fazer chegar ao máximo de pessoas interessadas, ao menor custo, resolvi publicar meus dois pequenos trabalhos desta forma. Especialmente em relação aos meus "Dois estudos...", a leitura e as críticas eventuais serão de extraordinária valia, para futuros desenvolvimentos do estudo. 
Mais que tudo, a iniciativa revela uma grande fé: a simplificação do acesso à produção do conhecimento humano através dos novos recursos tecnológicos. Às vezes, fico impressionado quando noto que nós continuamos a produzir, compartimentalizar, difundir, acessar e consumir informações do mesmo jeito que isso era feito há décadas - quem não pode ler um livro esgotado (por não haver um exemplar em alguma biblioteca próxima), ou já mendigou uma cópia de algum trabalho a amigo que está em outro lugar, por exemplo, sabe bem disso. Nós já temos o suficiente para começar a mudar a situação. A conexão promovida pela internet parece-me todo o necessário para eliminar alguns intermediários desnecessários e formar outros importantes na "cadeira produtiva do conhecimento", além de possibilitar o grande ideal de lançarmos e encontrarmos tudo o que quisermos em algum lugar do ciberespaço, da maneira mais fácil, barata e transparente possível. Como isso pode acontecer (e a que custo) exatamente, eu não sei. Ninguém sabe. Mas qualquer passo nesse sentido já diminuirá a caminhada até lá. Por tudo isso, o download, a leitura, a crítica e/ou a divulgação a quem possa interessar são encarecidamente solicitados. 

terça-feira, 5 de junho de 2012

Convite - Lançamento: "Dois estudos sobre a lei complementar no direito brasileiro" e "A vida de Clóvis Beviláqua em versos"

Escrevo com o intuito de convidar a todos para o lançamento (digital) dos meus dois livros (digitais), com os quais debuto no mundo das letras (e no mercado editorial). Mais precisamente, um livro e um livreto.
"Dois estudos sobre a lei complementar no direito brasileiro" é um pequeno livro, de cento e oito páginas, em que reúno dois trabalhos sobre a lei complementar, espécie legislativa elencada pela Constituição de 1988 no rol do seu art. 59 (inc. II). O primeiro estudo retoma a trajetória histórica da lei complementar, com o repasse da literatura sobre o tema nas constituições brasileiras. O segundo expõe e critica uma das maiores polêmicas ensejadas pela matéria, mantida entre os professores Hugo de Brito Machado e José Souto Maior Borges, defensores de teses antagônicas sobre a lei complementar.
"A vida de Clóvis Beviláqua em versos", inicialmente planejado para constituir um folheto de cordel, retoma, em cento e vinte e uma sextilhas (esquema ABCBDB) - com o total de trinta e duas páginas, a vida do maior jurista cearense de todos os tempos e constitui uma grande ode à poesia popular. O que me tiver faltado de talento na poesia, sobra na admiração a Clóvis e à cultura popular.    
Os arquivos desses livros, em PDF, serão disponibilizados de maneira absolutamente gratuita neste blog, no próximo sábado (9), às quatorze horas, horário em que farei o upload dos dois. Trata-se, pois, de um lançamento digital, ao qual todos poderão comparecer de qualquer lugar do mundo, desde que tenham acesso à internet. Com a "presença digital" neste lançamento e com o download dos livros, vocês colaborarão enormemente com uma iniciativa editorial heterodoxa e satisfarão o autor/editor. Com a leitura dos escritos e o envio das críticas a mim, você terão um dedicado vassalo pelo resto dos tempos! 

GOMES, Felipe Lima. Dois estudos sobre a lei complementar no direito brasileiro. Fortaleza: Edição do autor, 2012. (ISBN: 978-85-913652-1-0)
GOMES, Felipe Lima. A vida de Clóvis Beviláqua em versos. Fortaleza: Edição do autor, 2012. (ISBN: 978-85-913652-0-3)



quarta-feira, 25 de abril de 2012

Pontes de Miranda (I)

No último dia 23, deu-se uma importante efeméride de nosso direito: o centésimo vigésimo aniversário de nascimento de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, o grande polímata nascido em Maceió. Fosse nossa comunidade jurídica boa cultora de seus mestres, haveria grandes homenagens nos centros jurídicos de todo o país; mas isso não ocorre, por razões várias, e nem se diga que é algum problema "pessoal" com Pontes. 
Sua obra, sem sombra de dúvida, é infinitamente mais conhecida (e relevante) na área jurídica, mas não foi somente a ela que o mestre dedicou seus profundos estudos. Hoje, eu quero apenas chamar a atenção para um Pontes de Miranda pouco difundido: o da Literatura. Se for para considerar apenas a quantidade de páginas escritas, a prosa e a poesia dominam um volume quase desprezível da obra mirandiana. Mas isso não quer dizer muito, afinal, somente o seu Tratado de Direito Privado contou com grossos sessenta volumes. O livro das fotografias ao lado é uma edição do seu "Obras Literárias", com um autógrafo para antigo dono do exemplar. Nele, pode-se perceber que Pontes de Miranda se aventurou tanto pela poesia quanto pela prosa, com um total de mais de quinhentas páginas. Não sou um crítico literário, mas posso afirmar que o direito brasileiro ganhou muito mais com a dedicação de Pontes de Miranda aos assuntos jurídicos do que ganharia a literatura, caso ele resolvesse segui-la mais de perto. Não que seus dotes literários sejam nenhuns; mas é que os jurídicos foram excepcionais, como os primeiros jamais seriam, por maior que fosse a entrega. Seja como for, o fato é que um dos livros que compõem a coletânea, "A Sabedoria dos Instintos", publicado pela primeira vez em 1921, embora o próprio autor afirme que estava composto antes de 1915, foi premiado pela Academia Brasileira de Letras. Selecionei um dos aforismos constantes desta primeira obra, chamado "Ação e Silêncio", que me chamou a atenção. 
Para encerrar, não posso deixar de manifestar uma certa tristeza que envolve a figura do célebre aniversariante desta semana. Embora falecido apenas aos oitenta e sete anos de idade, largamente conhecido em vários países, dono de uma obra profícua e gloriosa, Pontes de Miranda não conta com grandes biografias que lhe tracem o perfil pessoal e doutrinário, como Clóvis Beviláqua, por exemplo, já lembrado por aqui. Sem dúvida, são grandes os entraves para a realização de uma obra desse porte. Apenas para reunir as obras completas de Pontes de Miranda, seria necessário um grande esforço (se é que existe uma bibliografia realmente completa, que inclua livros, artigos, pareceres, manuscritos etc.) Ainda que fosse possível uma investigação apenas de sua vida pessoal, seriam necessários investimentos em viagens, entrevistas, visitas a arquivos... E a pergunta que fica é a seguinte: quem se interessa por isso, hoje em dia? Numa época em que os interesses da estudantada nas faculdades jurídicas se restringe às matérias do edital do próximo concurso público, quem bancaria a edição de uma obra que desvendasse alguns "causos" curiosos do mais misterioso jurista brasileiro? Talvez seja exatamente por isso que não há grandes movimentações nos círculos jurídicos em virtude dessa cara efeméride. E talvez seja exatamente por isso que não deveremos mais contar com um jurista do porte de Pontes de Miranda.   


“O silêncio também é ação. Se vos exprimis pelo silêncio é que permitis a evolução normal e espontânea dos fatos: livrais os acontecimentos da interferência da vossa vontade. ¡Quantas vêzes é a ação mais sábia que praticamos! Também êle possui linguagem própria, modo particular de comprometer: é a mais eloqüente e a mais requintada das maneiras de expressão, porque é o expressar-se por si, sem o auxílio de vozes ou de gestos.” (PONTES DE MIRANDA. Obra literária. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960. p. 56).

sexta-feira, 13 de abril de 2012

Clóvis Beviláqua (II) / Cássio Schubsky (I)


“Ao prezado Felipe Gomes,
Colega do Direito,
Com estima, apreço e abraço,
Cássio Schubsky.
Fortaleza.
29/03/2010”
Foi em meio a estas palavras que tive o único contato pessoal com o advogado e historiador que me dedicou o livro desta postagem, um interessante e honesto repasse da vida de Clóvis, com alguns depoimentos de figuras importantes do nosso Direito. Era o lançamento do livro em Fortaleza, realizado no Centro Cultural do Banco do Nordeste. Tive a oportunidade de conhecer o senhor que me escrevera algumas vezes, pois tinha interesse em conhecer as dependências da nossa Faculdade, assim como a sede do Centro Acadêmico Clóvis Beviláqua, do qual eu era diretor à época.
Com relação ao livro, belo produto da Lettera.doc, editora à frente da qual o próprio Schubsky esteve à frente, conta com um belíssimo acabamento e um material de primeira qualidade. O ponto sobre o qual eu quero muito fazer uma referência diz com o “Caso Olga”. Sabe-se que Maria Bergner Villar (judia alemã), também Olga Benario, Olga Meirelles, Maria Prestes, Frieda Wolff Behrend, Olga Bergner foi deportada, grávida, para a Alemanha em 1936 – já sob o regime de Hitler, – onde acabou morta em 1942 (Anita Leocádia, a filha por que Olga aguardava, foi libertada). É muito comum ouvir-se, mesmo de pessoas que não ignoram por completo a vida e a obra de Clóvis, que ele teria dado um parecer a favor de tal extradição.
Este caso está ligado à vida de Clóvis de uma maneira absolutamente injustificada e injusta (pelo menos até hoje). Tal relação se difundiu de maneira extraordinária com a publicação do livro “Olga”, de Fernando Morais, no qual este autor se refere a algumas supostas declarações do grande jurista nesse sentido. Schubsky enfrenta o tema com detalhes talvez nunca reunidos. Em primeiro lugar, critica duramente o método de pesquisa de Morais, pois se baseia em fontes indiretas – ele apenas elenca uma série de títulos consultados, sem indicações precisas de datas. Depois, apoiado em um grande achado, demonstra que, nos autos do habeas corpus de Olga, denegado unanimemente pelo STF, não há qualquer escrito de Clóvis – e como seria importante uma palavra do maior jurista brasileiro vivo naqueles autos; de jurista importante, há apenas a presença de Vicente Rao (o mesmo autor de “O direito e a vida dos direitos”, “Ato jurídico” dentre outras obras influentes e importantes), então Ministro da Justiça e Negócios Interiores de Getúlio Vargas. Rao foi contrário à ação e assinou a ordem de extradição, com o próprio Vargas. E isso é tudo o que veio à tona até hoje, sem qualquer dado que ligue Clóvis ao caso. Schubsky afirma, ao final das críticas ao irresponsável Morais:
“Inacreditável, por fim, é a afirmação do jornalista Fernando Morais, no indigitado livro, de que Clóvis Beviláqua sabia que “a deportação significaria a morte de mãe e filho”. Em 1936, não se tinha iniciado ainda a abominável política de extermínio em massa levada a cabo pelo horror nazista. Vale dizer que Olga é morta em 1942. Falsa, portanto, a versão desse Clóvis desumano, desalmado, infenso às aflições alheias, qual um nazista de carteirinha.
Na realidade, já de saída, na apresentação da obra, Morais se excede em autoconfiança, desfeitando princípios elementares do jornalismo e da pesquisa histórica com vistas à produção de uma biografia. Suas primeiras palavras são a prova cabal dessa presunção: “A reportagem que você vai ler agora relata fatos que aconteceram exatamente como estão descritos neste livro: a vida de Olga Benário Prestes”. Elementar, ao jornalista como ao historiador, é buscar a verdade, mas render tributo à dúvida, não é mesmo?!” (SCHUBSKY, Cássio (org.) Clóvis Beviláqua: um senhor brasileiro. São Paulo: Lettera.doc, 2010. p. 72).
E nunca apareceu qualquer jornal com as tais declarações. E ainda que aparecesse, elas teriam de ser consideradas sob certas ressalvas, tais como o fato de a imprensa da época ser controlada pelo Governo de maneira rígida. Também é muito estranho que declarações do um dos maiores juristas vivos sobre um caso tão repercutido não tenham encontrado reproduções em meios mais difundidos à época. Também é estranho Clóvis ter-se pronunciado publicamente, pois não foi parecerista contratado pela impetrante do habeas corpus e já era funcionário aposentado do Ministério das Relações Exteriores. Enfim, tudo isso indicia a fraquíssima fundamentação de quem insiste em ligar Clóvis ao caso Olga. Se isso não comprova que uma mentira contada mil vezes vira uma verdade, pelo menos dá mostra de que uma mentira contada uma vez só, e não confrontada com os dados existentes, pode se tornar uma verdade incontrastável. E quem tiver qualquer material sobre isso, favor trazer à luz do mundo.
Sobre o autor, com tristeza, soube que aquele homem educado, culto e gentil, que havia autografado meu exemplar da obra e pedido para eu entregar um exemplar gentilmente dedicado à biblioteca da Faculdade, veio a falecer no começo do ano passado. Schubsky estava especialmente dedicado à história, ligada ao direito. Ele se encontrava empenhado em um livro sobre os setenta e cinco anos da Caixa de Assistência ao Advogado de São Paulo, e sua Lettera.doc resgatava a memória de grandes personalidades do direito deste país. Essas figuras encontram-se, lamentavelmente, em vias de extinção.

quinta-feira, 5 de abril de 2012

Clóvis Beviláqua (I)


Considero essa biografia (que conta com a edição da Universidade Federal do Ceará) a melhor jamais escrita sobre Clóvis. Poucas pessoas reuniram tantas credenciais para biografar Clóvis Beviláqua como Sílvio Meira. Profundo conhecedor do direito romano, o professor paraense era filho de um dileto amigo do próprio Clóvis: Augusto Meira. A admiração deste por Clóvis fez com que desse o mesmo prenome a um de seus filhos, Clóvis Meira, irmão do autor do trabalho. Ter conhecido pessoalmente um dos netos de Sílvio e dele ter ouvido casos instigantes sobre a sua vida e a sua obra foram fatos que aumentaram ainda mais a admiração que tenho pelo autor de "Instituições de Direito Romano", "A lei das doze tábuas", dentre outras obras.
A pesquisa é incrivelmente extensa. Aliás, o fôlego de Sílvio Meira para pesquisar sobre a vida dos mestres do direito brasileiro já o consagrara em seu livro sobre Teixeira de Freitas ("Teixeira de Freitas: o jurisconsulto do império", que poderá aparecer por aqui em outra oportunidade). Meira explora a ascendência de Clóvis, com curiosas estórias sobre o padre José Beviláqua, pai do biografado. Sim, Clóvis era filho de padre, assim como outro grande titã do Ceará, José de Alencar. A partir daí, conta-se a formação de Clóvis, em Sobral, em Fortaleza (onde estudou no Ateneu e no Liceu do Ceará), no Rio e, finalmente, na Faculdade de Direito do Recife. É interessante Clóvis ter confessado que, até ao quarto ano do curso, não sentia grande atração pelo Direito (mas tudo mudou, por influência forte de Tobias Barreto). A curta e malfadada vida política do biografado também é objeto de análise (faltou-lhe a vocação e o estômago para os arranjos de gabinete). A infatigável disposição de Meira o levou à relação mantida por Clóvis com grandes instituições do país, como a Academia Brasileira de Letras, o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Instituto dos Advogados do Brasil. Há fartos registros das contribuições dele a essas instituições, sem passar despercebida a célebre polêmica que envolveu a candidatura (rejeitada) de Amélia Beviláqua à ABL. A atuação de Clóvis no Ministério das Relações Exteriores é relatada com base em muitos dos pareceres emitidos ao longo dos anos em que atuou ali.
A saga da codificação do direito civil brasileiro, cuja abordagem Meira já iniciara com o seu livro sobre Teixeira de Freitas, é ricamente retomada nesta obra. Um tema me chama demais a atenção, seja pelo fato de envolver o já citado José de Alencar, seja por nunca ter sido mais investigado: a participação de Alencar na codificação civil brasileira. Meira afirma que Alencar, quando ministro da justiça durante o império, viria "entravando a marcha da belíssima proposta de Teixeira de Freitas para a elaboração de um Código Geral e de um Código Civil, com unificação do Direito Privado, constante da carta de 20 de setembro de 1867." (p. 140-141). A afirmação de Meira deve ser tomada com um grão de sal, pois, se é verdade que Alencar tinha pretensões de contribuir diretamente para a codificação (e deixou isso consignado nos seus "Esboços Juridicos", de publicação póstuma), também é verdade que Teixeira de Freitas não apresentou a mesma presteza na elaboração de seu projeto de unificação do Direito Privado (o seu "Esbôço" ficou inacabado) que demonstrou na elaboração de sua monumental "Consolidação das leis civis", possivelmente pela fadiga que o trabalho incessante lhe trouxe. O tema fascina e comporta novos estudos. Até contactei o pessoal da Casa de José de Alencar (https://www.facebook.com/profile.php?id=100003005658172) para saber que materiais poderia encontrar, com vistas a este ponto, mas ainda não fui lá para ver isso.
Para não dizer que o livro deixou de me desagradar em algo, devo confessar que os pendores religiosos de Meira parecem levá-lo, em um ou outro momento, a querer deixar uma marca de misticismo ao redor de Clóvis, como quando encerra um capítulo a dizer que ele foi um "servo de Deus". Na obra sobre Teixeira de Freitas (jurista que teve uma fase profundamente religiosa), isso é explorado em maior escala. Bem, seja como for, o autor aborda com profundidade os credos filosóficos de Clóvis e sublinha que ele, apesar de filho de padre, foi profundamente anti-clerical.
Finalmente, chamo a atenção para a lista de obras de Clóvis que Meira traz ao final do livro, roteiro (possivelmente ainda incompleto, é verdade) que pode servir para uma futura edição de suas obras completas, o que o biógrafo faz questão de cobrar às autoridades públicas. Cobrança que eu reforço. A possibilidade de promover uma edição digital das obras de Clóvis, com um custo significativamente menor que grandes tiragens em papel, derruba boa parte das desculpas para essa omissão. Como os direitos autorais de seus trabalhos estão prestes a acabar, o momento é propício para a empreitada.
Para quem tem mais curiosidade sobre a vida e a obra de Clóvis, sugiro, além da leitura dessa obra, uma visita ao Memorial, instalado no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará, que concentra o maior acervo sobre o mestre cearense concentrado em um só lugar. Em Viçosa, terra natal de Clóvis, o mesmo tribunal mantém um museu na casa em que ele nasceu, onde estive há algumas semanas. Não há uma grande quantidade de peças, e a conservação do espaço já tem deixado um pouco a desejar. Mas se pode ver, por exemplo, a navalha com que Clóvis afeitava a barba. Lá também descobri seu gosto pela filatelia (alguns selos encontrados em seus pertences estão expostos). Mas o melhor é entrar no local em que o padre José vivia "de portas a dentro" com Dona Martiniana, relação que gerou o grande biografado.

Exposição de motivos

Eu sou um modesto mestrando em Direito Constitucional pela minha queridíssima Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará, casa em que também me graduei. Além disso, eu me intitulo um “livreiro-amador”, pois compro e vendo alguns livros esgotados da área jurídica. Para completar, tenho certos tiques de bibliófilo. Como é de se imaginar, há alguns anos eu tenho acumulado uma pequena experiência (e algum material) nas áreas em que concentro meus estudos (e meus pequenos negócios): direito constitucional e teoria jurídica.

Essas atividades, principalmente nos últimos anos, desenvolvidas em um estado que não tem uma grande tradição nos estudos jurídicos, especialmente em termos de Pós-Graduação (há, atualmente, dois cursos de doutorado no Ceará, e um deles, exatamente o da UFC, recrutou apenas a sua primeira turma em 2011), puseram-me em uma situação um tanto quanto dramática: sempre quis consultar/comprar/vender uma grande quantidade de obras, mas não disponho de recursos suficientes para isso. Quando falo recursos, não quero com isso me referir (somente) a dinheiro; claro que a condição de um bolsista de pós-graduação no nosso país é periclitante nesse aspecto (e em tantos outros), pelo que nem preciso de ir muito longe na demonstração de que a carência de recursos sempre foi um problema seriíssimo para mim – pode ser que eu ainda conte como comecei a vender livros para comprar outros. Quero mesmo fazer menção à carência grave que temos de bibliotecas públicas ou privadas (que permitam o acesso ao grande público) com acervos amplos e atualizados, que recebam (ou tenham acesso on-line a) periódicos importantes etc. Também quero chamar a atenção para a completa falta de costume no comércio de livros usados, especialmente na área do direito, por conta da pouca informação que nossos poucos sebistas têm no assunto, assim como a falta de uma cultura de comercialização dos livros usados pelos nossos juristas. Infelizmente, temos informações de grandes bibliotecas que se destruíram com a ação do tempo e de bichos variados, ou foram vendidas no peso para reciclagem. Quando não foram mesmo ofertadas para as bibliotecas públicas e recusadas imediatamente, pois os “grandes” bibliotecários que temos não querem saber de “livros velhos” que lhes dêem trabalho (e, via de regra, não têm informação suficiente para saber como selecionar o que ainda tem valor, financeiro ou científico). O quadro é triste, e eu nem quero mais falar sobre isso agora. Acho que já é o suficiente. Se eu ainda fosse falar da pilhagem sobre as bibliotecas públicas antes da informatização dos sistemas, do vandalismo de alguns usuários e da proibição mesquinha de acesso ao acervo de certas universidades privadas, ainda iria longe...

Em outra frente, tenho me deparado com mais algumas dificuldades. A internet é uma ferramenta inacreditavelmente poderosa. Com o barateamento progressivo do curso de armazenamento de dados na grande rede, cada vez mais material é deixado ao acesso livre de quem tiver um ponto de acesso a ela. Aliada a isso, a crescente produção acadêmica no nosso país, difundida em grande parte por mídias digitais, tem promovido uma viragem curiosa na pesquisa bibliográfica: se antes o grande problema era começar um levantamento bibliográfico por falta de referências iniciais, hoje vários temas contam com bons trabalhos de referência disponíveis a custo zero, o que deslocou o problema: agora, o grande desafio pode ser a mineração dos dados, com (1) a descoberta de onde ele está e (2) a seleção do que realmente é relevante para iniciar o trabalho. Vale salientar que a profusão de publicações atinge não somente o “mundo dos bits”, mas também o “mundo dos átomos”; as publicações impressas também têm crescido a olhos vistos, o que faz com que o problema se repita nesta seara. Boas iniciações em alguns temas podem promover uma economia de tempo (e de dinheiro) que vale o que pesa em ouro!

À vista desses problemas, quer-me parecer que se justifica qualquer tentativa, por mais débil que se venha a mostrar, de contornar essas complicações. Procurarei trazer um pouco de alguma experiência que pude acumular em um tempinho que dediquei em “expedições arqueológicas” a bibliotecas públicas e particulares, sebos, endereços eletrônicos, xerox clandestinas etc. O foco é a bibliografia jurídica brasileira nas disciplinas que já indiquei. Mas os autores que mais admiro poderão ganhar espaço, mesmo que estrangeiros. Como o título do blog indica, certos temas afins terão um lugar cativo. Para começar, trarei algo sobre Clóvis Beviláqua, um dos meus heróis, cearense como eu.