quarta-feira, 25 de abril de 2012

Pontes de Miranda (I)

No último dia 23, deu-se uma importante efeméride de nosso direito: o centésimo vigésimo aniversário de nascimento de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda, o grande polímata nascido em Maceió. Fosse nossa comunidade jurídica boa cultora de seus mestres, haveria grandes homenagens nos centros jurídicos de todo o país; mas isso não ocorre, por razões várias, e nem se diga que é algum problema "pessoal" com Pontes. 
Sua obra, sem sombra de dúvida, é infinitamente mais conhecida (e relevante) na área jurídica, mas não foi somente a ela que o mestre dedicou seus profundos estudos. Hoje, eu quero apenas chamar a atenção para um Pontes de Miranda pouco difundido: o da Literatura. Se for para considerar apenas a quantidade de páginas escritas, a prosa e a poesia dominam um volume quase desprezível da obra mirandiana. Mas isso não quer dizer muito, afinal, somente o seu Tratado de Direito Privado contou com grossos sessenta volumes. O livro das fotografias ao lado é uma edição do seu "Obras Literárias", com um autógrafo para antigo dono do exemplar. Nele, pode-se perceber que Pontes de Miranda se aventurou tanto pela poesia quanto pela prosa, com um total de mais de quinhentas páginas. Não sou um crítico literário, mas posso afirmar que o direito brasileiro ganhou muito mais com a dedicação de Pontes de Miranda aos assuntos jurídicos do que ganharia a literatura, caso ele resolvesse segui-la mais de perto. Não que seus dotes literários sejam nenhuns; mas é que os jurídicos foram excepcionais, como os primeiros jamais seriam, por maior que fosse a entrega. Seja como for, o fato é que um dos livros que compõem a coletânea, "A Sabedoria dos Instintos", publicado pela primeira vez em 1921, embora o próprio autor afirme que estava composto antes de 1915, foi premiado pela Academia Brasileira de Letras. Selecionei um dos aforismos constantes desta primeira obra, chamado "Ação e Silêncio", que me chamou a atenção. 
Para encerrar, não posso deixar de manifestar uma certa tristeza que envolve a figura do célebre aniversariante desta semana. Embora falecido apenas aos oitenta e sete anos de idade, largamente conhecido em vários países, dono de uma obra profícua e gloriosa, Pontes de Miranda não conta com grandes biografias que lhe tracem o perfil pessoal e doutrinário, como Clóvis Beviláqua, por exemplo, já lembrado por aqui. Sem dúvida, são grandes os entraves para a realização de uma obra desse porte. Apenas para reunir as obras completas de Pontes de Miranda, seria necessário um grande esforço (se é que existe uma bibliografia realmente completa, que inclua livros, artigos, pareceres, manuscritos etc.) Ainda que fosse possível uma investigação apenas de sua vida pessoal, seriam necessários investimentos em viagens, entrevistas, visitas a arquivos... E a pergunta que fica é a seguinte: quem se interessa por isso, hoje em dia? Numa época em que os interesses da estudantada nas faculdades jurídicas se restringe às matérias do edital do próximo concurso público, quem bancaria a edição de uma obra que desvendasse alguns "causos" curiosos do mais misterioso jurista brasileiro? Talvez seja exatamente por isso que não há grandes movimentações nos círculos jurídicos em virtude dessa cara efeméride. E talvez seja exatamente por isso que não deveremos mais contar com um jurista do porte de Pontes de Miranda.   


“O silêncio também é ação. Se vos exprimis pelo silêncio é que permitis a evolução normal e espontânea dos fatos: livrais os acontecimentos da interferência da vossa vontade. ¡Quantas vêzes é a ação mais sábia que praticamos! Também êle possui linguagem própria, modo particular de comprometer: é a mais eloqüente e a mais requintada das maneiras de expressão, porque é o expressar-se por si, sem o auxílio de vozes ou de gestos.” (PONTES DE MIRANDA. Obra literária. Rio de Janeiro: José Olympio, 1960. p. 56).

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