sexta-feira, 13 de abril de 2012

Clóvis Beviláqua (II) / Cássio Schubsky (I)


“Ao prezado Felipe Gomes,
Colega do Direito,
Com estima, apreço e abraço,
Cássio Schubsky.
Fortaleza.
29/03/2010”
Foi em meio a estas palavras que tive o único contato pessoal com o advogado e historiador que me dedicou o livro desta postagem, um interessante e honesto repasse da vida de Clóvis, com alguns depoimentos de figuras importantes do nosso Direito. Era o lançamento do livro em Fortaleza, realizado no Centro Cultural do Banco do Nordeste. Tive a oportunidade de conhecer o senhor que me escrevera algumas vezes, pois tinha interesse em conhecer as dependências da nossa Faculdade, assim como a sede do Centro Acadêmico Clóvis Beviláqua, do qual eu era diretor à época.
Com relação ao livro, belo produto da Lettera.doc, editora à frente da qual o próprio Schubsky esteve à frente, conta com um belíssimo acabamento e um material de primeira qualidade. O ponto sobre o qual eu quero muito fazer uma referência diz com o “Caso Olga”. Sabe-se que Maria Bergner Villar (judia alemã), também Olga Benario, Olga Meirelles, Maria Prestes, Frieda Wolff Behrend, Olga Bergner foi deportada, grávida, para a Alemanha em 1936 – já sob o regime de Hitler, – onde acabou morta em 1942 (Anita Leocádia, a filha por que Olga aguardava, foi libertada). É muito comum ouvir-se, mesmo de pessoas que não ignoram por completo a vida e a obra de Clóvis, que ele teria dado um parecer a favor de tal extradição.
Este caso está ligado à vida de Clóvis de uma maneira absolutamente injustificada e injusta (pelo menos até hoje). Tal relação se difundiu de maneira extraordinária com a publicação do livro “Olga”, de Fernando Morais, no qual este autor se refere a algumas supostas declarações do grande jurista nesse sentido. Schubsky enfrenta o tema com detalhes talvez nunca reunidos. Em primeiro lugar, critica duramente o método de pesquisa de Morais, pois se baseia em fontes indiretas – ele apenas elenca uma série de títulos consultados, sem indicações precisas de datas. Depois, apoiado em um grande achado, demonstra que, nos autos do habeas corpus de Olga, denegado unanimemente pelo STF, não há qualquer escrito de Clóvis – e como seria importante uma palavra do maior jurista brasileiro vivo naqueles autos; de jurista importante, há apenas a presença de Vicente Rao (o mesmo autor de “O direito e a vida dos direitos”, “Ato jurídico” dentre outras obras influentes e importantes), então Ministro da Justiça e Negócios Interiores de Getúlio Vargas. Rao foi contrário à ação e assinou a ordem de extradição, com o próprio Vargas. E isso é tudo o que veio à tona até hoje, sem qualquer dado que ligue Clóvis ao caso. Schubsky afirma, ao final das críticas ao irresponsável Morais:
“Inacreditável, por fim, é a afirmação do jornalista Fernando Morais, no indigitado livro, de que Clóvis Beviláqua sabia que “a deportação significaria a morte de mãe e filho”. Em 1936, não se tinha iniciado ainda a abominável política de extermínio em massa levada a cabo pelo horror nazista. Vale dizer que Olga é morta em 1942. Falsa, portanto, a versão desse Clóvis desumano, desalmado, infenso às aflições alheias, qual um nazista de carteirinha.
Na realidade, já de saída, na apresentação da obra, Morais se excede em autoconfiança, desfeitando princípios elementares do jornalismo e da pesquisa histórica com vistas à produção de uma biografia. Suas primeiras palavras são a prova cabal dessa presunção: “A reportagem que você vai ler agora relata fatos que aconteceram exatamente como estão descritos neste livro: a vida de Olga Benário Prestes”. Elementar, ao jornalista como ao historiador, é buscar a verdade, mas render tributo à dúvida, não é mesmo?!” (SCHUBSKY, Cássio (org.) Clóvis Beviláqua: um senhor brasileiro. São Paulo: Lettera.doc, 2010. p. 72).
E nunca apareceu qualquer jornal com as tais declarações. E ainda que aparecesse, elas teriam de ser consideradas sob certas ressalvas, tais como o fato de a imprensa da época ser controlada pelo Governo de maneira rígida. Também é muito estranho que declarações do um dos maiores juristas vivos sobre um caso tão repercutido não tenham encontrado reproduções em meios mais difundidos à época. Também é estranho Clóvis ter-se pronunciado publicamente, pois não foi parecerista contratado pela impetrante do habeas corpus e já era funcionário aposentado do Ministério das Relações Exteriores. Enfim, tudo isso indicia a fraquíssima fundamentação de quem insiste em ligar Clóvis ao caso Olga. Se isso não comprova que uma mentira contada mil vezes vira uma verdade, pelo menos dá mostra de que uma mentira contada uma vez só, e não confrontada com os dados existentes, pode se tornar uma verdade incontrastável. E quem tiver qualquer material sobre isso, favor trazer à luz do mundo.
Sobre o autor, com tristeza, soube que aquele homem educado, culto e gentil, que havia autografado meu exemplar da obra e pedido para eu entregar um exemplar gentilmente dedicado à biblioteca da Faculdade, veio a falecer no começo do ano passado. Schubsky estava especialmente dedicado à história, ligada ao direito. Ele se encontrava empenhado em um livro sobre os setenta e cinco anos da Caixa de Assistência ao Advogado de São Paulo, e sua Lettera.doc resgatava a memória de grandes personalidades do direito deste país. Essas figuras encontram-se, lamentavelmente, em vias de extinção.

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